Instituto de Estudos sobre o Modernismo

sábado, 23 de julho de 2011

Comentário à Prova Escrita de Português - ( 12º ano de escolaridade – Julho 2011) - Teresa Rita Lopes


Pediram-me a minha opinião sobre a “Prova Escrita de Português”, a que os alunos do 12º ano de escolaridade foram recentemente submetidos. Hesitei em pronunciar-me publicamente mas a minha antiga costela de militante (sem Partido), obrigou-me a aceitar fazê-lo, perante a constatação de que os resultados obtidos foram catastróficos: alunos que tinham tido altas classificações durante o ano lectivo saíram do exame com negativa. O pior é que isso, para muitos deles, representa a impossibilidade de se habilitarem a entrar nos cursos para que se sentem vocacionados por ficarem, com essa  nota a Português, com uma classificação inferior à requerida para o seu acesso. E isso é grave, porque está em jogo o futuro desses jovens. Por isso, arregacei as mangas e pus-me a analisar (como aliás sempre gostei de fazer com os meus alunos e espero que os professores o façam com os seus) o poema de Álvaro de Campos que lhes coube em sorte: um do penúltimo ano de vida, de 16.6.1934, que começa “Na casa defronte de mim e dos meus sonhos”.
A escolha do poema foi infeliz: o seu bom entendimento implicaria um conhecimento aprofundado da poesia de Campos que não pode ser exigido a alunos deste nível. Além do mais, as perguntas não estão bem formuladas nem são as que conduziriam ao entendimento do poema que se quer averiguar se o aluno teve (e que duvido os próprios examinadores tenham tido, perante tais perguntas e os “cenários de resposta” que apresentaram).
A primeira pergunta, sobre “as duas sensações representadas nas quatro primeiras estrofes”, distrai da verdadeira compreensão do poema, que é, do princípio ao fim, a taquigrafia de um monólogo a que Campos se entrega, como em muitos dos seus outros poemas. Através dele, vamos assistindo à marcha do pensamento do Poeta e ao desfilar dos sentimentos que desencadeia. Porque é de sentir sentimentos e não “sensações” que o poema essencialmente trata. Quer o examinador, nesta primeira pergunta, que o aluno fale “das sensações visuais e auditivas” presentes nas quatro primeiras estrofes do poema. É ter em pouca conta a sua inteligência querer apenas fazê-lo provar que o Poeta não é cego nem surdo, porque diz “que viu mas não viu” e que ouve vozes no interior da casa (como se explicita no “cenário da resposta”). Nada nos diz que o Poeta não está à sua secretária, a evocar apenas o que habitualmente vê e ouve: não assistimos a uma verdadeira reacção a um estímulo sensorial. Das pessoas que moram em frente diz, com um verbo no passado (portanto, evocando uma visão, não vendo): “vi mas não vi”. Também as ouve, aparentemente  da mesma forma: das “vozes que sobem do interior doméstico” diz que “cantam sempre, sem dúvida”, o que mostra que não as está a ouvir mas a imaginar (logo, é imaginação, não sensação). O verso seguinte “Sim, devem cantar”, reforça a suposição. Seria preciso, ao formular as perguntas, respeitar o facto indesmentível do poema ser um monólogo que o Poeta murmura por escrito enquanto contempla, talvez só com a imaginação, “os outros”– esses vizinhos que vê sem ver porque lhe são inteiramente estranhos.
O que seria preciso entender – e sobre isso sim, questionar o aluno – é que o Poeta olha (ou se imagina olhando) para a casa fronteira à sua como um menino pobre para uma montra de brinquedos: tudo o que aí vê e ouve é uma manifestação dessa “felicidade” que ele não sabe o que é mas cobiça: crianças, flores, cantos, festas. “Que felicidade não ser eu!” Falando várias vezes o Poeta de “felicidade”, seria pertinente questionar o examinando sobre o sentido desse sentimento (bem mais importante do que as sensações ver e ouvir que querem que ele referencie).
Pedir para caracterizar o tempo da infância tal como é apresentado na terceira estrofe do poema, e esperar, como se vê no “cenário da resposta”, que o aluno apenas fale “do ambiente de despreocupação feliz, sugerido pelo acto de brincar”é de uma profunda  superficialidade …
Quanto à pergunta seguinte sobre “a relação que o sujeito poético estabelece com os outros” percebe-se, pelo “cenário da resposta”, que o examinador quer que o aluno fale apenas da “diferença”que o Poeta sente que o separa dos “outros”, porque «os “outros” são felizes».  O facto do Poeta exclamar “São felizes porque não são eu” mostra que essa “felicidade” é, não um verdadeiro sentimento que os outros experimentem mas o sentimento que o Poeta tem de que é uma sorte ser outra pessoa qualquer, que o verso seguinte “Que grande felicidade não ser eu!” exprime plenamente.
Seria interessante, isso sim, fazer o aluno falar sobre o papel e o significado das interrogações súbitas, nomeadamente “Quais outros?” porque são elas que traduzem e nos fazem assistir ao evoluir do pensamento do Poeta, que se põe em causa a si próprio, isto é, ao que está pensando no decurso do seu monólogo interior. Assistimos, assim, à transição, desencadeada por essas perguntas, de um “eu” para um “nós”: do sentimento inicial de solidão total, de ser apenas um “eu”, uma ilha de solidão, ao de pertencer a um “nós” – a humanidade: “Quem sente somos nós, /Sim, todos nós” - embora cada um a sós consigo. Cada um sente e sofre sozinho mas isso não o impede de fazer parte de um “nós”. Seria demais esperar que o aluno soubesse dizer que é esta uma característica da atitude de Campos: o sentimento de que é uma ilha de solidão, quando diz “eu”, mas de que pertence a um arquipélago, quando pronuncia “nós”. Mas não seria excessivo esperá-lo do examinador.
A última questão presta-se a muitas respostas, não apenas à que é indicada no “cenário de resposta”, que espera referências à “dor” e ao “vazio” “expressos na última estrofe, particularmente no verso «Um nada que dói…»”. Os examinadores não perceberam a sua subtilíssima ironia: depois de afirmar que “já” não está sentindo nada, o Poeta corrige-se, com um sorriso de vaga ironia triste: “um nada que dói”. Se o aluno conhecesse razoavelmente Campos – o que seria demais exigir-lhe mas não ao examinador– referiria que esse incómodo, essa vaga dor é o que, noutro poema, o Poeta chama “o espinho essencial de ser consciente”.

Só uma nota: não estou a querer pôr ninguém em causa: não sei nem quero saber quem elaborou esta “prova”. Estou apenas a obedecer ao meu velho tropismo de querer ser útil. (Que, diga-se de passagem, muitos dissabores me tem trazido ao longo da minha já longa vida.)

Teresa Rita Lopes

Para aceder ao enunciado  e assinar a petição, consultar:

http://www.protestoexame2011.blogspot.com/



O Fantástico em Fialho de Almeida e Jean Lorrain -


Pessimismo e Decadentismo Finisseculares
[Outubro de 2010]
José António Costa Ideias
(FCSH-UNL)


 Neste trabalho de Doutoramento em Estudos Portugueses, na especialidade de Estudos Comparatistas, debruçamo-nos sobre um conjunto de práticas narrativas (privilegiando o conto e a narrativa breve), de finais de oitocentos e inícios do século XX - em Portugal e em França - cuja leitura analítica permite melhor compreender um processo de criação literária que parte fundamentalmente da oposição ao Realismo-Naturalismo e que, na gestação híbrida e “imprecisa” de uma narrativa “nova” – na confluência e imbricação de múltiplas estéticas diversificadas – se vai encontrar, largamente, na base do que se considera ser a modernidade estética do século XX. Com efeito, tentamos entender as práticas narrativas de Fialho de Almeida (1857-1911) e de Jean Lorrain (1855-1906) como lugares espectaculares e fantasmáticos de revelação e de denúncia de uma crise ideológica e da sua encenação significante (na recorrente oscilação entre o “documento” e o “fantasma”) que se formaliza numa constante tensão entre o apelo do real e a superação do mesmo - em torno de específicas estratégias discursivas, caracteristicamente finisseculares.
No caso de Fialho, privilegiamos uma leitura de alguns dos seus textos (ainda largamente integráveis na estética naturalista) acentuando a tensão Naturalismo-Decadentismo (os determinismos do meio e da hereditariedade degenerescente e os recorrentes topoi da sensibilidade e do imaginário decadentes que, por via de uma estratégia de representação “deformante” – uma “estética do grotesco” – abre o texto a vastas zonas de um fantástico “físico”, “exterior”), tensão que se nos afigura estruturadora da sua “heterodoxia” estética. Em Jean Lorrain, atentamos na marcada preferência decadente pelos espectáculos do artifício, pelas estéticas da perversão e da surpresa, pela representação e exploração de um fantástico “interior”, da máscara (elemento central do fantástico lorrainiano), num drama espiritual feito de desencontros
 do sujeito consigo mesmo e com o o”outro”.

Tentamos, deste modo, caracterizar os diversos “fantásticos” em Fialho e em Lorrain como motor deste tipo de práticas literárias genelogicamente transaccionais que representam (dão a ler) a vivência pessimista de um real agónico que se procura superar. Na abordagem comparativa dos dois autores – no gesto de aproximação relacional - descobrimos a partilha de uma sensibilidade epocal que, experimentando, cada um a seu modo (em convergências e em divergências) tratarão espaços, personagens, tipologias - que constituem aquilo que designamos como os “fantásticos” em ambos os autores. Respostas diversas a uma comum vivência de um tempo histórico crítico que se encontra na base da génese da modernidade estética do século XX, com prolongamentos
 no nosso século.

(Dissertação de Doutoramento em Estudos Portugueses – Estudos Comparatistas, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL) em Outubro de 2010 e defendida publicamente em  2 de Maio de 2011).
Prof. Doutor José António Costa Ideias
Doutorado em Estudos Portugueses, na especialidade de Estudos Comparatistas.
Investigador em Estudos Neo-helénicos e Estudos Literários/Culturais Comparados. Membro do IEMo.
Docente do Ilnova /FCSH-UNL (Grego Moderno -Língua e Cultura). Tradutor literário. Ensaísta.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Pessoa ou a senda da sombra


Sobre “Pessoa ou o caminhante livre” de Claire Xavier

Ricardo Marques
O que é e como se pode ler a “alma” de uma cidade? Por outras palavras, quais são as características invisíveis de um lugar que, tendo como natureza intrínseca a sua própria metamorfose perpétua, se afirma exactamente pelo contrário do imaterial, pela visibilidade dos elementos que a vão constituindo? De Lisboa, a “cidade triste e alegre” de Victor Palla e Costa Martins, são famosas várias fotografias que mostram os mesmos lugares-comuns que se vêem nas fotos de Claire Xavier (a calçada, as janelas, o eléctrico). Se encararmos Pessoa/Bernardo Soares, eterno habitante de uma mansarda da Rua dos Douradores, como a sombra autobiográfica de Pessoa, estas fotografias mostram a forma como o espaço citadino foi o LAR, palavra tantas vezes utilizada nesta obra, de onde todo aquele universo literário nasceu – e é nesse caminho livre, nessa senda da sombra, que todos nos sentimos submergir ao ver estas imagens.

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O que é e como se pode ler a “alma” de uma cidade? Por outras palavras, quais são as características invisíveis de um lugar que, tendo como natureza intrínseca a sua própria metamorfose perpétua, se afirma exactamente pelo contrário do imaterial, pela visibilidade dos elementos que a vão constituindo? De Lisboa diz-se ser, por exemplo, a “cidade branca”, como cunhou o filme de Alain Tanner de 1982, ou uma das “cidades das sete colinas”, ou ainda inúmeros outros epítetos que foi criando ao longo de séculos e que as obras literárias foram espelhando. Assim, podemos constatar que neste processo de entender o “espírito” de uma cidade, se parte e se acaba no material e no visível para inventar e mitificar o que uma cidade nos transmite e não se vê – o invisível. Daqui para a ideia de sombra é um breve passo.
Gostaria, nesta breve apresentação, de urgir todos a partir também para estas fotografias de Lisboa, pela objectiva de Claire Xavier, com esta ideia em mente.
De Lisboa, a “cidade triste e alegre” de Victor Palla e Costa Martins, são famosas várias fotografias que mostram os mesmos lugares-comuns que se vêem nas fotos de Claire Xavier. O cenário lisboeta é apresentado em cada uma das fotografias através da selecção de alguns elementos simbólicos que a caracterizam, em que o mais presente é claramente a “janela” ou, em segundo lugar, a “calçada portuguesa” com o seu padrão. Se as relacionarmos directamente com o contexto pessoano, conseguimos percepcionar uma série de elementos que estão presentes neste universo – o eléctrico, as escadas com os seus ferros, as árvores da cidade, e até um café e uma tabacaria que ecoa o famoso texto do escritor. No entanto, e para usar a terminologia de Roland Barthes, Claire encontra o ponto de equilíbrio entre o “studium” – essa característica, exterior às próprias fotografias, mas que provém mais da técnica e da manipulação consciente do mundo – e o “punctum”, esse não-sei-quê totalmente inconsciente que nos toca enquanto espectador, e que nos leva directamente para o interior da fotografia. Transmutado para este caso específico, Claire Xavier apresenta a sua Lisboa das janelas, pátios e calçadas de uma forma pessoal e artística, mas incorpora-lhe magicamente um “punctum” que é própria alma de Lisboa, a sua eterna sombra literária e que tanto a cantou, Fernando Pessoa.
Sabemos que a grande influência intertextual destas imagens é o próprio Livro do Desassossego. N’O Livro, são também várias as referências à ideia da sombra. O vocábulo ocorre sobretudo associado ao importante binómio sono/sonho, por vezes servindo um momento crepuscular do dia (e metaforicamente a atmosfera do livro) e sempre seguindo uma ideia de antítese apolíneo/dionisíaco com o contraponto do sol, bem como a projecção de um outro eu psicanalítico, ambos desenvolvimentos metafóricos bastante embrenhados na nossa cultura ocidental. A sombra é ainda sinal de período de estagnação: (126) “Tenho grandes estagnações. [...] Nesses períodos da sombra, sou incapaz de pensar, de sentir, de querer.”. Vejamos algumas passagens:
[33][1]
Nos primeiros dias do Outono subitamente entrado, quando o escurecer toma uma evidência de qualquer coisa prematura, e parece que tardamos muito no que fazemos de dia, gozo, mesmo entre o trabalho quotidiano, esta antecipação de não trabalhar que a própria sombra traz consigo, por isso que é noite e a noite é sono, lares, livramento. Quando as luzes se acendem no escritório amplo que deixa de ser escuro, e fazemos serão sem que cessássemos de trabalhar de dia, sinto um conforto absurdo como uma lembrança de outrem, e estou sossegado com o que escrevo como se estivesse lendo até sentir que irei dormir.
Somos todos escravos de circunstâncias externas: um dia de sol abre-nos campos largos no meio de um café de viela; uma sombra no campo encolhe-nos para dentro, e abrigamo-nos mal na casa sem portas de nós mesmos; um chegar da noite, até entre coisas do dia, alarga, como um leque [que] se abra lento, a consciência íntima de dever-se repousar.
[83][2]
[…] Sinto-me tão isolado que sinto a distância entre mim e o meu fato. Sou uma criança, com uma palmatória mal acesa, que atravessa, de camisa de noite, uma grande casa deserta. Vivem sombras que me cercam — só sombras, filhas dos móveis hirtos e da luz que me acompanha. Elas me rondam aqui ao sol, mas são gente. […]

[100][3]

[…] Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva regular — jardim público ao quase crepúsculo —, sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-la perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes jardins engradados pela melancolia das ruas que os cercam, e copados, para além dos ramos altos das árvores, pelo céu velho onde as estrelas recomeçam.

Por fim, e visto estas serem fotos que são livremente inspiradas n' O Livro, gostaria de terminar esta apresentação com uma passagem dessa obra fundamental do século XX português, e que serve que nem luva no cenário e na atmosfera destas fotografias de Claire Xavier:
[31][4]
O relógio que está lá para trás, na casa deserta, porque todos dormem, deixa cair lentamente o quádruplo som claro das quatro horas de quando é noite. Não dormi ainda, nem espero dormir. Sem que nada me detenha a atenção, e assim não durma, ou me pese no corpo, e por isso não sossegue, jazo na sombra, que o luar vago dos candeeiros da rua torna ainda mais desacompanhada, o silêncio amortecido do meu corpo estranho.
Nem sei pensar, do sono que tenho; nem sei sentir, do sono que não consigo ter.
Tudo em meu torno é o universo nu, abstracto, feito de negações nocturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafísico do mistério das coisas.

Se encararmos Pessoa/Bernardo Soares, habitante de uma mansarda da Rua dos Douradores, como a sombra autobiográfica de Pessoa, estas fotografias mostram a forma como o espaço citadino foi o LAR, palavra tantas vezes utilizada nesta obra, de onde todo aquele universo literário nasceu – e é nesse caminho livre, nessa senda da sombra, que todos nos sentimos submergir ao ver estas imagens.

Ricardo Marques é investigador do Instituto de Estudos sobre o Modernismo. Actualmente está desenvolvendo uma pesquisa sobre a importância das revistas para o Modernismo Português. A sua investigação possibilitará aos estudiosos do modernismo português o acesso a informações de extrema importância e utilidade.


[1] A edição utilizada é a seguinte: Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, ed. Richard Zenith, Colecção Obra Essencial de Fernando Pessoa nº1, Lisboa, Assírio e Alvim, 2006, pp. 60-61.
[2] Idem, Ibidem, pp. 102-103.
[3] Idem, Ibidem, pp.118-119.
[4] Idem, Ibidem, pp. 58-59.

"O Teatro da Vacuidade ou a impossibilidade de ser eu" - Paulo Borges


Introdução

            Publicamos aqui textos inéditos ou dispersos sobre Fernando Pessoa, muito recentes (de 2008 a 2010) e todos eles alterados, por vezes substancialmente, para este livro. Une-os a tentativa de pensar em Pessoa, e a partir de Pessoa, alguns dos temas que lhe são centrais e que ocupam também um lugar destacado no nosso pensamento e produção filosóficos: a experiência da vacuidade, enquanto transcensão de todas as referências, conceitos e sentidos, incluindo o de “Deus”; a ficção de si, do(s) eu(s) e do mundo, como uma i-lusão ou jogo criador, aqui patente na experiência heteronímica; a emergência da mesma vacuidade nisso que (não) há entre uma coisa e outra, isto e aquilo, esse entre-ser tão bem figurado pelo “King of Gaps” pessoano e que dá o nome à revista/projecto que dirigimos: Cultura ENTRE Culturas; a possibilidade de estados diferenciados, não conceptuais e não intencionais, de consciência, precisamente os que mais ensinam sobre os anteriores temas e cuja tentativa de expressão percorre toda a obra pessoana, conferindo-lhe a “inquietante estranheza” que a singulariza e tornando difícil compreendê-la sem os ter em conta; os sentidos múltiplos de Portugal e da Lusofonia, bem como do Quinto Império, enquanto consumação da sua proclamada vocação universalista num estado transmundano de consciência, na linha de Uma Visão Armilar do Mundo [1].
Além disto, o presente livro oferece estudos comparados entre Pessoa e outros autores – Antonio Machado, Jorge Luis Borges e Emil Cioran - cujas obras dialogam implicitamente com a sua em torno da questão fundamental que a atravessa e que é o eixo do presente volume: a relação entre mesmo e outro, uno e múltiplo e a experiência de um vazio impessoal como matriz de todas as possibilidades, desassossegadoramente aberta no próprio seio do sujeito e do eu convencional, que, ao perder o fundo e a forma da sua aparente definição, se multiplica ficcionalmente em ilimitadas modalidades possíveis, sem que nenhuma delas possa cristalizar-se e fixar-se como algo de real e distinto do abismo de onde procede. Daí o título do livro, por sugestão directa das metáforas teatrais que Pessoa aplicou à sua experiência heteronímica (“drama em gente” ou “em almas” [2]): O teatro da vacuidade ou a impossibilidade de ser eu.
            Este livro prossegue uma relação próxima, e por isso crítica, com a experiência pessoana, que data da adolescência, embora o impacto de Mário de Sá-Carneiro tenha então excedido o de Pessoa. Os temas pessoanos conduziram-nos depois a Teixeira de Pascoaes, que consideramos indispensável ler e meditar em conjunto com o poeta da “Ode Marítima” para se compreender o mais fundo de um e outro e a exterioridade da sua aparente divergência [3].
            É gratificante lançar este livro ao jogo do mundo no momento oportuno em que a obra pessoana começa a ganhar maior visibilidade filosófica, nacional e internacional, após sobre ela ter sobretudo incidido o foco dos estudos literários. Com efeito, a leitura filosófica de um “poeta animado pela filosofia, não um filósofo com faculdades poéticas” [4], como se definiu, parece todavia mostrar haver nele mais densidade de pensamento filosófico - embora formulado por vias híbridas e heterodoxas em relação à tradição ocidental mais académica, como acontece com o mais singular pensamento português – do que ele próprio tendia a admitir. Na verdade, alimentamos a expectativa de que os presentes ensaios possam pelo menos sugerir o imenso diálogo implícito que a obra pessoana sustenta e promove com algumas das mais profundas questões que atravessam a filosofia e a cultura planetárias, ocidentais e orientais, bem como as muitas sugestões e pontos de partida que oferece para uma reflexão inovadora sobre questões fundamentais da mesma tradição filosófica . Esperamos que a constatação disto anime as abordagens filosófica e literária de Pessoa a darem-se interdisciplinarmente as mãos para que toda a sua riqueza de pensador e escritor possa revelar-se a uma outra luz, inaugurando uma nova fase dos estudos pessoanos.
            Se ousamos esperar que o presente livro possa contribuir para tal, minimamente que seja, acalentamos sobretudo a aspiração de que, através da complexidade da experiência pessoana – labiríntico e caleidoscópico entrelaçamento de luzes, trevas e sombras - , possamos nós encontrar o fio de Ariana simplificador e libertador da nossa própria complexidade.

Paulo Borges.“Introdução” a O Teatro da Vacuidade ou a impossibilidade de ser eu,
Lisboa, Verbo, 2011.

Paulo Borges é filósofo, ensaísta e investigador pessoano. Entre várias actividades que vem desenvolvendo (destaque para a importante revista Cultura Entre Culturas), tem dedicado especial atenção ao espólio de Fernando Pessoa sobretudo a parte dos escritos relacionados com filosofia da religião, onde se encontram textos inéditos, futuramente publicados por ele.


[1] Cf. Paulo Borges, Uma Visão Armilar do Mundo. A vocação universal de Portugal em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, Lisboa, Verbo, 2010.
[2] Cf. Fernando Pessoa, Obras, II, organização, introduções e notas de António Quadros, Porto, Lello & Irmão – Editores, 1986, p.1024.
[3] Cf. Paulo Borges, O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, Lisboa, Portugália Editora, 2008.
[4] “I was a poet animated by philosophy, not a philosopher with poetic faculties” - Fernando Pessoa, Obras, II, p.81.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

EU PESSOA, TU PESSOAS


 

PESSOA, O PRECURSOR
Teresa Rita Lopes

Mal sabíamos nós, os jovens contestatários que, nos anos sessenta, enfrentávamos a Pide, a polícia de Salazar, que tínhamos em Pessoa um precursor! Logo ele, que os amantes de poesia da minha geração liam com recolhimento, tentando ignorar o que dele se dizia, que era um reaccionário, favorável ao Estado Novo que, por isso, lhe tinha premiado Mensagem e lhe divulgava os versos nos livros-únicos de então.
Seguramente por isso nunca simpatizei com Mensagem. Nem hoje, que sei que o nosso poeta que, inicialmente, acolheu Salazar com esperança – de que salvasse do caos o seu tão amado Portugal – foi ficando desconfiado dessa personalidade que julgara íntegra e acabou por explodir em violentos escritos: poemas e textos vários de prosa (até em francês, para o demolir além-fronteiras). Quando eu e os meus parceiros de incursões na célebre Arca  descobrimos o chorrilho de impropérios com que o nosso Poeta fustigara o “seminarista da contabilidade”, o “aldeão letrado”, desabrochámos em pirotécnico júbilo! E mais ainda quando encontrámos os fragmentos de uma carta que foi escrevendo ao sabor da sua indignação, ao longo de vários dias, em que pedia ao Presidente da República que destituísse o seu Presidente do Conselho por ser, assim mesmo dito, “incompetente para o cargo que assumiu”.*
E pensar que, passados quase trinta anos (a projectada carta, que, provavelmente não chegou a acabar, data de 1935, ano da morte), os jovens da minha geração escreveram ao presidente da República, já outro, uma carta no mesmo sentido a pedir, pelas mesmas razões, a demissão do mesmo Salazar! É evidente que esse belo gesto serviu apenas para fornecer à Pide mais alguns autógrafos. Mas hoje, quando, tantas vezes, me zango com os Portugueses, gosto de rememorar esses belos gestos inúteis, mas idealistas, que levaram muitos de nós para o exílio ou para a prisão. Todos sabíamos o risco que corríamos e arriscávamos. Hoje as pessoas só arriscam na Bolsa.
Nessa carta que nos chegou aos bocados, escrita em folhas soltas e em diferentes momentos, Pessoa eleva a voz, no tom de um sermão desse Padre António Vieira que tanto admirava, para exclamar: “Chegámos a isto, Senhor Presidente: passou a época da desordem e da má administração; temos boa administração e ordem. E não há nenhum de nós que não tenha saudades da desordem e da má administração. Não sabíamos que a ordem nas ruas, que as estradas, as pontes e as esquadras tinham de ser compradas por tão alto preço – o da venda a retalho da alma portuguesa.” Noutra folha – noutro fragmento – remata, em prosa, com uma afirmação que também fará em verso: “Realmente é um Estado Novo, porque este estado de coisas nunca antes se viu”.
Num longo poema, repetiu, de facto:

Sim, é o Estado Novo, e o povo
Ouviu, leu e assentiu:
Sim, isto é um estado Novo
Pois é um estado de coisas
Que nunca antes se viu.

E mais adianta, acrescenta:

Com “directrizes” à arte
Reata-se a tradição,
E juntam-se Apolo e Marte
No Teatro Nacional
Que é onde era a Inquisição.

Este poema, datado de 29.7.1935, faz referência, com a palavra “directrizes” entre aspas, ao discurso que Salazar fizera, a quando da distribuição dos prémios com que Pessoa fora também contemplado com Mensagem, em 21.2.1935, em que, como denuncia na tal carta ao Presidente da República, “abre a sessão com um discurso em que enxovalha todos os escritores portugueses – muitos deles seus superiores intelectuais – com a fútil imposição de “directrizes” que ninguém lhe pediu nem pediria(…)”. Por isso, acrescenta , “com uma inabilidade de aldeão letrado, de um só golpe afastou de si o resto da inteligência portuguesa que ainda o olhava com uma benevolência, já um tanto impaciente, e uma tolerância, já vagamente desdenhosa”.
É evidente que Pessoa refere o seu próprio estado de espírito. Depois dessa histórica sessão, a que não assistiu (deve ter seguido pela rádio e ter lido o discurso no jornal), a sua rejeição de Salazar foi brutal e definitiva. Aliás, essa tal “tolerância, já vagamente desdenhosa” e “benevolência, já vagamente impaciente”, com que define a sua própria atitude frente ao Presidente do Conselho já tinha sido sismicamente abalada com a apresentação à Assembleia Nacional de um projecto de lei visando a interdição de todas as  associações secretas,  muito particularmente a Maçonaria, que Pessoa sempre prezou e defendeu, embora declarasse nunca a ela ter pertencido. Pessoa publicou em 4.2.1935,no Diário de Lisboa, um violento artigo contra essa proposta, que veio , contudo, a ser aprovada sob a forma de uma nova lei ( nº 2), em 5.4.1935.  Aconteceu, portanto, que a distribuição dos prémios aconteceu  dezassete dias depois do artigo de Pessoa, e funcionou como azeite no fogo. Pouco antes de morrer, Pessoa, em carta a Adolfo Casais Monteiro, recusa a colaboração que ele lhe pede para a Presença, declarando que não mais publicaria em Portugal porque “acabara de acontecer” algo que o impossibilitava de o fazer. Não sabemos o quê. Um discurso de Salazar ouvido pela rádio ou lido no jornal? Notícia chegada de que o seu nome era censurado nos jornais, como afirmou?
É verdade, Pessoa fora para a lista negra. Morreu com essa raiva na alma.
E com o desgosto de não ter podido perseverar numa luta que empreendera, como se depreende do fragmento de um artigo, posterior ao de 4.2.1935 mas nunca publicado, em que ameaça: “Amigos reaccionários: em guarda!” **
E eu que tanto sofri, durante tanto tempo, por imaginá-lo reaccionário!

*Pessoa Inédito: organização de Teresa Rita Lopes. Lisboa, 1993, Livros Horizonte, pp.362-379.
** Ibidem, p.333

Teresa Rita Lopes 
      

sábado, 16 de julho de 2011

"Poesia na rua" em Cacela Velha


Durante os dias 15 e 16 de Julho, as ruas de Cacela Velha enchem-se de poesia. A arte poética pode ser apreciada nas paredes de casas, nos estendais com poesia, em conversas com poetas, entre outras actividades.
Ontem, dia 15 de Julho, a investigdora, escritora e poetisa Teresa Rita Lopes deu uma palestra intitulada "Histórias sobre poemas". A temática girou em torno da obra poética de Teresa Rita Lopes e de Fernando Pessoa. O público pode ouvir as palavras da poetisa admirando também a bela paisagem de Cacela Velha, cercada pelo mar.
A cidade é um verdadeiro "santuário poético", a sua beleza inspira a escrita artística. Os nomes de algumas ruas são homenagens a grande escritores. Como é o caso da Rua Teresa Rita Lopes, de frente para mar, com uma bela poesia escrita na parede.
O Instituto de Estudos sobre o Modernismo esteve presente na "Festa da Poesia" nas pessoas não só de Teresa Rita Lopes mas de Cláudia Souza e Nuno Ribeiro que intervieram para satisfazer a pergunta do público (numeroso e interessado): "Como explicam os heterónimos pessoanos". "A mais jovem pessoana do mundo", Amanda,como a Professora e poetisa lhe chamou, que já tinha revelado o seu saber e os seus dotes de recitante nas nossas recentes Jornadas, deliciou o público com a sua declamação de poemas de Pessoa.

Aniversário de Armando Côrtes-Rodrigues (vídeo) - Notícias - RTP Açores

A investigadora, Anabela Almeida integrante do Instituto de Estudos sobre o Modernismo, deu uma entrevista sobre a importância da obra de Armando Côrtes-Rodrigues. Neste vídeo aparece também um depoimento do poeta Nuno Dempster que acabou de publicar K3 um poema sobre a guerra colonial.
Vale a pena conferir.

Aniversário de Cortes Rodrigues (vídeo) - Notícias - RTP Açores

«Tive em mim milhares de filosofias» - os escritos filosóficos de Fernando Pessoa (Nuno Ribeiro)

«A dimensão pluralista da escrita de Fernando Pessoa não se manifesta apenas na criação de uma multiplicidade de personalidades literárias, no desenvolvimento de uma pluralidade de géneros e no cultivo de uma multiplicidade de estilos. O desenvolvimento de um pensamento filosófico na obra de Fernando Pessoa é também expressão da dimensão pluralista da escrita pessoana. É precisamente isso que lemos no seguinte escrito filosófico deste autor:

Milhares de teorias, grotescas, extraordinárias, profundas, sobre o mundo, sobre o homem, sobre todos os problemas que pertencem à metafísica atravessaram o meu espírito. Tive em mim milhares de filosofias das quais – como se fossem reais – nem mesmo duas concordariam. [1]

No espólio de Pessoa encontra-se uma multiplicidade de fragmentos, esquemas e projectos destinados a futuras obras, cujo início se constata, mas que não chegaram a ser concluídas. Nenhum destes esquemas, projectos e fragmentos do espólio filosófico de Pessoa chegou a ser publicado no decurso da vida do autor. Não é sem razão que no poema Tabacaria de Álvaro de Campos se lê: «Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.» Estas palavras, que Pessoa atribui a Álvaro de Campos, caracterizam bem o estado em que se encontra o espólio filosófico de Pessoa: um conjunto diversificado composto por múltiplas filosofias que foram feitas e ainda continuam, em grande parte, mantidas em segredo, a despeito de no espólio existirem mais de mil documentos catalogados sob a designação de filosofia.»


[1] «Thousands of theories, grotesque, extraordinary, profound, on the world, on man, on all problems that pertain to metaphysics have passed through my mind. I have had in me thousands of philosophies not any two of which — as if they were real — agreed.»: AAVV, Pessoa Inédito (organização Teresa Rita Lopes), Lisboa, Livros Horizonte, 1993, p. 402.


[in Nuno Ribeiro, "«Tive em mim milhares de Filosofias» - questões para a edição dos escritos filosóficos inéditos de Fernando Pessoa", Cultura ENTRE Culturas, nº3, p.192] 
Nuno Ribeiro é graduado em Filosofia pela Universidade Nova de Lisboa e também autor do livro Fernando Pessoa e Nietzsche: O pensamento da pluralidade. Publicou já inúmeros artigos sobre o espólio filosófico de Pessoa, tema central da sua pesquisa, com inéditos pessoanos. Actualmente, prepara a edição dos textos filosóficos de Fernando Pessoa, no âmbito da sua tese de doutoramento. É membro do Instituto de Estudos sobre o Modernismo.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Lançamento de "O Teatro da Vacuidade ou a impossibilidade de ser eu. Estudos e ensaios pessoanos", de Paulo Borges, apresentado por Miguel Real - 19 de Julho, 18.30, FNAC do Chiado

"Neste livro pensam-se com e a partir de Fernando Pessoa alguns dos temas com ele comungados: a experiência da vida como teatro heteronímico; a ficcional (im)possibilidade do(s) eu(s) e do mundo como i-lusão ou jogo criador; o vislumbre do entre-ser, isso que (não) há entre uma coisa e outra, consoante a revista Cultura ENTRE Culturas; estados não conceptuais nem intencionais de consciência; os sentidos múltiplos de Portugal, Lusofonia e Quinto Império, na linha de Uma Visão Armilar do Mundo. Pessoa redescoberto pela filosofia, também em diálogo com António Machado, Jorge Luis Borges e Emil Cioran" - Paulo Borges

O livro será apresentado pelo ensaísta e romancista Miguel Real.

Pessoa em edição francesa

Acaba de ser lançado na renomada editora francesa La Différence, o livro ContesFables et autres fictions uma edição de Teresa Rita Lopes. Neste livro o leitor poderá ter acesso a contos inéditos de Fernando Pessoa, como é o caso do "Eremita da Serra Negra", entre outros. Esse trabalho é fruto da pesquisa no espólio da Professora Teresa Rita Lopes. Vale a pena conferir

 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pessoa e a Filosofia - novas edições

A Verbo, uma importante colecção de obras de filósofos portugueses, acaba de ser relançada com os livros de ensaístas e investigadores portugueses. No primeiro livro da colecção, Teatro da Vacuidade ou impossibilidade de ser eu - estudos e ensaios pessoanos, o filósofo e ensaista Paulo Borges, apresenta uma série de reflexões profundas e complexas sobre a obra de Fernando Pessoa. O Professor Paulo Borges além de filósofo e ensaísta é também investigador do espólio pessoano. Apresentou recentemente, na Casa Fernando Pessoa, um conto inédito do espólio do autor português.  O segundo é Fernando Pessoa e Nietzsche: O pensamento da pluralidade da autoria de Nuno Ribeiro. Neste livro, o ensaísta português apresenta ao público as possíveis conexões entre o pensamento e a escrita de Pessoa e Nietzsche, revelando importantes e inéditos aspectos do espólio pessoano. Nuno Ribeiro, graduado em filosofia pela Universidade Nova de Lisboa (premiado com a bolsa de mérito desta Universidade no ano de 2005) vem investigando ao longo de anos o espólio filosófico de Fernando Pessoa e  prepara a tão esperada edição dos Textos Filosóficos de Fernando Pessoa. Ambos os livros são acompanhados de imagens do espólio de Fernando Pessoa e proporcionam ao público uma análise filosófica da obra de Fernando Pessoa e das múltiplas relações que existem entre o pensamento pessoano e as mais diversas problemáticas filosóficas.


           

terça-feira, 12 de julho de 2011

«O Que o Turista Deve Ver» de Fernando Pessoa, com prefácio de Teresa Rita Lopes

 
 
 

Anúncio Importante - Convite

A Professora e investigadora Teresa Rita Lopes apresentará na próxima 3ª, dia 12 de Julho, no programa Câmara Clara, RTP 2, a seguir às Notícias das 22hrs, a reedição do Guia de Lisboa, de Pessoa, "O que o turista deve ver", descoberta do IEMO, como ela oportunamente explicará.

Livro do Desassossego de Fernando Pessoa - 9ª edição



Acaba de sair a 9ª edição do Livro do Desassossego de Fernando Pessoa realizada pelo investigador Richard Zenith. Esta edição presenteia o leitor com novidades relativamente a anteriores edições. O interessado que deseje adquiri-la poderá agora fazê-lo. 

Poesia de Alberto Caeiro - 3ª edição revista e aumentada



Os muitos admiradores de Alberto Caeiro podem ter acesso a uma nova edição da sua poesia que acaba de ser relançada pela Assírio & Alvim. Os responsáveis pela terceira edição do livro. A Poesia de Alberto Caeiro são os iemistas da primeira hora Fernando Cabral Martins e Richard Zenith.

 O Doutor Fernando Cabral Martins e o Doutor Richard Zenith presenteiam o leitor com dois ensaios esclarecedores e muito  originais no final do livro.

domingo, 10 de julho de 2011

Sobre a língua portuguesa (Teresa Rita Lopes)

    Não foi Pessoa, não senhor, quem disse que a língua é uma pátria. Junqueiro antecipou-se-lhe. E alguns outros o têm afirmado, cada um à sua própria maneira.
A verdade é que há entre as pessoas que falam a mesma língua materna uma funda irmandade que a cor da pele pode parecer desmentir. Ter a mesma língua materna é como ter mamado na mesma teta, é ter crescido para a vida sustentado pelo mesmo leite.
    A língua portuguesa e a cultura que, através dela, se manifesta é o nosso património mais precioso. Só ela nos fará durar para lá do nosso tempo e do nosso espaço. Mas pouco fazemos por isso. E não temos, disso, suficiente consciência.
    É voz corrente que o português anda deprimido com a imagem que as estatísticas da U.E. lhe dão de si próprio.  E uma nação precisa de ter o brio de ser quem é. Não somos bons para criar riqueza, está visto, para criar dinheiro a partir de dinheiro. Entre os reprodutores do capital ficamos sempre a perder. É que somos ainda meio campónios, para nós a criação só é concebível a partir de um ser vivo que se reproduza. Ao campónio que somos eu vou dizer que a nossa língua portuguesa é um cabedal que não cabe em conta bancária nenhuma : é uma galinha com muitos pintos – já que falamos de criação…- esses inúmeros falares a que deu vida pelo mundo fora.
    Além de nos projectar para lá da tacanhez do nosso rectângulo, o contacto praticado com esses diferentes falares pode ter o salutar efeito de rejuvenescer a nossa língua-mãe, menos maleável por ser mais velha. Infelizmente esse nosso contacto limita-se ao consumo de novelas brasileiras, através da televisão. É quase nada mas melhor que nada: podemos assim sentir a “gostosura”  que a nossa língua pode ter quando falada  por brasileiros. É que o português do Brasil é mais criativo, mais moldável pela afectividade que nos caracteriza, a nós e a eles: pegam numa palavra, por mais invariável que a gramática diga que ela é, e acrescentam-lhe um sufixo que a torna mais saborosa. Apesar de abusarmos dos diminutivos, nós não dizemos “nunquinha” para tornar “nunca” mais definitivo, nem “unzinho”, bem mais terno que “só um”, para pedir um beijo ou um abraço…Bem que o Guimarães Rosa soube levar às suas últimas consequências expressivas as potencialidades em que a nossa língua é rica. Também outros escritores africanos de língua portuguesa o fazem hoje em dia, e nós deliciamo-nos com o sabor que a nossa língua tem com esses condimentos.
    Pouco fazemos para cultivar esses contactos enriquecedores. Até os livros pouco ou nada circulam – os nossos, lá e os deles, cá – por razões monetárias : é que a venda dos livros é um negócio , como o de qualquer outro produto, e quando essa circulação não é rentável, não acontece. Teria que haver uma porfiada política cultural para acudir a essa situação.
    Quando descobrimos essas terras , éramos poucos para as povoar. Agora estão povoadas, não somos é capazes de praticar a nossa irmandade. Não basta proclamarmo-nos nações irmãs.
    Temos, por outro lado, de dar aos portugueses de segunda geração espalhados pelo mundo o brio de pertencerem a essa língua-pátria e condições para praticarem a sua cultura. É uma árdua mas importantíssima tarefa.
    A ortografia é um problema menor. Pessoa queria restabelecer a antiga ortografia com base etimológica. Sou inteiramente contra. Uma das razões por que o Francês perde alunos é a tremenda dificuldade que a sua ortografia –etimológica – põe aos aprendizes da sua escrita. A ortografia é sempre uma convenção. Convencionemo-la, pois, da forma mais simples e sensata. Sem pruridos nacionalistas, com tem acontecido
nos nossos tormentosos acordos ortográficos com o Brasil.
   Uma coisa é certa: o nosso futuro está nessa grande pátria mestiça que, através da língua, podemos ser. E a mestiçagem é sempre enriquecedora, quer se trate da língua, do sangue ou dos géneros literários.