Instituto de Estudos sobre o Modernismo

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Novo Blog - Mudança de «Link»

Informamos todos os seguidores e interessados pelas notícías anunciadas no blog «Pátria Língua Portuguesa» de que as notícias aqui divulgadas passarão a ser anunciadas no Link: http://www.patrialinguaportuguesaiemo.blogspot.com/. Convidamos, desde já todos os seguidores e demais interessados a visitarem o novo blog.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Eduardo Lourenço - Membro Honorário do IEMo


Eduardo Lourenço, o renomado ensaista pessoano e da cultura portuguesa, aceitou, a convite da sua amiga de longa data Teresa Rita Lopes, ser membro honorário do Instituto de Estudos sobre o Modernismo. Encontrámos no fundo da arca uma foto de ambos em Paris, do ano de 1983, na Fundação Gulbenkian durante um congresso.


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Carta de Álvaro de Campos*


Tive conhecimento do burburinho causado por uma prova de exame em que um dos meus poemas foi razoavelmente maltratado pelos examinadores. Queriam eles que os examinandos detectassem as sensações que eu estava experimentando quando o escrevi, porque lá digo que “vi” (e não repararam que acrescentei “mas não vi”) e que imagino os vizinhos da frente a cantarem dentro de casa (embora não tenha a certeza: “Sim, devem cantar…” traduz uma suposição). 
Ora a verdade é que eu não estava experimentando sensações nenhumas: estava pura e simplesmente, como frequentemente me acontece, às voltas na cama com a minha insónia crónica. E o poema segue o curso desses esfarrapados pensamentos que me assaltavam. Bom, mas já outros comentadores disto falaram, odeio analisar os meus poemas. E também que os outros os analisem. Escalpelizar um poema implica matá-lo primeiro para depois  lhe fazer a autópsia. É pior do que espetar borboletas num álbum: as borboletas, embora percam o essencial, o movimento, pelo menos conservam a beleza da cor e da forma das asas, enquanto que o poema perde tudo, beleza e movimento, como um cadáver na morgue.
Para as perguntas que fazem (ainda por cima mal feitas!) querem os examinadores que os examinandos respondam de uma certa e única maneira. Ora a Literatura, em geral, e a Poesia, em particular, não são ciências exactas, como a Física ou a Matemática. Um poema pode ser objecto de várias leituras, ao ser acolhido pela subjectividade de um ouvinte ou leitor. A relação que um poema (ou qualquer outra manifestação artística) estabelece entre autor e receptor é intersubjectiva: põe a subjectividade de um em comunicação com a do outro, desencadeando neste emoções que têm que ver com as suas vivências existenciais e culturais.
Porque é que os senhores examinadores não se limitam a pedir aos examinandos o comentário de um determinado texto (evitem maltratar poemas que não vos fizeram mal nenhum!) que lhes permita averiguar se eles sabem exprimir correctamente por escrito o seu pensamento, e, já agora, se sabem pensar?! Era isso que lhes devia ser pedido - e, antes disso, ensinado, claro!
Os examinandos submetidos à traumatizante experiência deste exame vão ficar vacinados contra a minha poesia para o resto dos seus dias. De futuro, por favor, deixem os meus poemas em paz! Há por aí tanta prosa desempregada ou mal empregada!
Ponham os pobres alunos a escrever, sem erros, com clareza e precisão, uma carta à família – que é coisa de que todos precisam, quer se destinem às letras, às ciências ou às artes.
O gosto pela Poesia, como pelas flores, pelo mar, por namorar, nasce com o ser.
Um poeta popular do meu Algarve natal, António Aleixo, disse que “não se ensina, não se aprende / Nasce e morre com a gente”. E ele é um exemplo disso. Mas comentários como o que os examinadores deste exame pretendem, ah esses podem inocular no indefeso ser dos examinandos uma definitiva aversão para com tudo o que dê pelo nome de Poesia!
 E se querem impor às crianças modelos rígidos, sugiro que os ponham a fazer redacções como as do meu tempo, sobre a vaca, o mar, o porco, que começavam e acabavam sempre da mesma maneira. Por exemplo, sobre

                                           A  Poesia

A Poesia não é muito útil para a nossa alimentação.
Da Poesia fazem-se poemas e até livros. Os livros servem para pôr nas estantes, sobretudo se tiverem capas bonitas e não estiverem muito estragados.
Os donos dos livros nunca os abrem para não os estragar.
Eu gosto muito de Poesia.
Data e nome.

Foi a fazer redacções destas que me tornei escritor.


Carta de Álvaro de Campos – recebida mediunicamente por Teresa Rita Lopes

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa - Carla Gago

A biblioteca particular de Fernando Pessoa (BpFP) configura um testemunho imprescindível para elaborar uma biografia intelectual do autor. A partir da biblioteca pessoal é possível reconstruir indicações bibliográficas esbatidas ou esquecidas com o tempo, fazer reaparecer polémicas esquecidas ou ainda diálogos inesperados com outros criadores literários, reconstituindo, assim, um contexto intelectual mais vasto, e permitindo um diálogo, por vezes inesperado, com áreas específicas do interesse dos autores. Tal como, por exemplo, a questão de uma formação científica mais específica e especializada em Pessoa: a quantidade de volumes especializados denota uma reflexão mais profunda relativamente a temáticas de ciências naturais do que esperaríamos num “poeta”.
Embora notoriamente reservado em relação às suas dívidas intelectuais, Pessoa era, na verdade, um leitor voraz e a sua produção literária está profundamente impregnada pelas obras que leu. O autor, que é em primeira instância leitor e intérprete antes de ser produtor de sentido(s), permite-nos, através do testemunho material dos seus livros pessoais aceder à dimensão da génese literária e, consequentemente, indagar o  estatuto intertextual da sua produção, o diálogo com outras obras, o que recupera ou recusa explicita ou implicitamente.
A BpFP constitui  material muito importante ainda a desbravar. As leituras de Pessoa foram, durante muito tempo, se não votadas ao es   quecimento, relativizadas e reduzidas ao que o filólogo Mazzino Montinari, no seu incansável trabalho no espólio de Friedrich Nietzsche, designou de ligações “ideais”:

Um capítulo que (...) ainda tem de ser escrito, é o relativo às leituras de Nietzsche. A literatura de „culto“ sobre Nietzsche, que começou com Gast, não queria utilizar estas fontes valiosas para não „empobrecer“ Nietzsche; a crítica „filosófica“ (Löwith – Jaspers? – Heidegger) achava-as menos relevantes do que do que determinadas ligações “ideais”, que descobria em Nietzsche-Hölderlin-Hegel- etc, etc. (25 de Junho de 1966, tradução nossa)

Também Pessoa foi reduzido às “ligações” mais imediatas - no seu caso, as da tradição anglo-saxónica, tal como Whitman ou Browning, pois à primeira geração de pessoanos careceu de distanciamento (principalmente devido ao determinismo biológico) e de uma abordagem necessariamente transdisciplinar para a análise do acervo, optando por relevar antes outros aspectos que, na sua perspectiva, engrandessessem Pessoa, descobrindo, assim, as tais ligações “ideais”. Fernando Pessoa, que  mobiliza sempre referências teóricas e estético-literárias de grande elevação, está ao corrente das discussões mais importantes no espaço europeu nas diferentes áreas do saber, constitui uma absoluta excepção no panorama intelectual português do início do séc. XX.  Não é de estranhar, então, que a própria crítica, nomeadamente a primeira geração de pessoanos (mas que influenciou todas as posteriores), não obstante os méritos que se lhes tem obviamente que reconhecer, não conseguiam “encaixar” estas leituras e conceitos nas grelhas da interpretação da obra pessoana.
Com efeito, quando se estuda a BpFP, é necessário ter em mente o contexto intelectual de fin-de-siècle e  início do século XX, no qual a explosão de interesses conduz a uma permeabilidade entre as várias disciplinas. Esta promiscuidade temática (Literatura, História, Física, Biologia, Sociologia, etc) faz com que os assuntos que o investigador procura se encontrem muitas vezes em volumes não muito apelativos para o leitor contemporâneo e que, à primeira vista, não se prendem necessariamente com o tema em questão e que por outro lado. É preciso que se diga ainda que, na lista bibliográfica da BpFP, muitos são os volumes que não residem na classe mais adequada (tal não foi corrigido nas últimas publicações relativas à bibliografia da biblioteca, o que prolongará durante algum tempo este handicap), exactamente por os títulos induzirem muitas vezes o bibliotecário ou o investigador em erro quanto ao assunto ou por serem simplesmente de difícil classificação em só uma das dez classes da BpFP.  
            Pelos motivos aduzidos, torna-se, assim, óbvio o estudo do “miolo” do acervo de leituras de Pessoa (que vai muito para além de uma mera datação de leituras). Só examinando os stimuli de Pessoa é que poderemos entender com a profundidade necessária os temas e as questões para as quais os seus escritos são resposta. Tal levanta, necessariamente, a questão do que é em Pessoa influência directa e indirecta: de Nietzsche, por exemplo, apesar de não constar qualquer volume no acervo, as referências ao filósofo do martelo encontram-se disseminadas por inúmeros volumes na BpFP.
A extensa  marginalia que encontramos nos volumes da biblioteca é notoriamente imprescindível para compreender a «intensidade» e a perspectiva da leitura do autor, mas as linhas de investigação com base na BpFP que, na nossa opinião, serão, para além de mais estimulantes, mais bem consolidadas e que poderão apresentar resultados mais profícuos - pese embora o alto grau de dificuldade da tarefa - são as que estão ligadas a um trabalho arqueológico que consiga reconstituir o trilho de alguns conceitos disseminados pela sua obra e que remetem para leituras que efectuou.
Na BpFP, como não poderia deixar de ser, a questão incontornável é a Literatura, que aparece, no entanto, confrontada com temas vários (o positivismo científico, as filosofias da História, a filosofia das ciências, a psicologia experimental, etc), sendo dois dos grandes vectores (se não os grandes vectores) a Religião e a Ciência. Quanto a esta última, seria de certa forma inconcebível que Pessoa não tivesse acompanhado os avanços científicos do final do século XIX. Nesta altura, nenhum intelectual que ambicionasse uma interpretação do universo poderia dar-se ao luxo de ignorar o novo mundo das ciências. Mesmo a filosofia, área cara também a Pessoa, ia, nesta altura, de mãos dadas com um período de fascínio pelas ciências naturais. É de sublinhar, ainda, que as leituras feitas por Pessoa,  que abarcam todas as novas disciplinas científicas à época, que vão desde a psicologia experimental às teorias evolucionistas, passando pela termodinâmica e pela física, não lhe providenciaram unicamente novas ideias e teorias que ele explorou nos seus escritos mais teóricos mas também conceitos, ideias, imagens e metáforas que se encontram disseminados pelo seu universo textual. Tal como a insistência no conceito de “instinto” que à primeira vista se poderá dizer nietzschiano ou bergsoniano, mas que na verdade poderá ser lido no sentido de uma moral evolucionista do seu tempo, e cujo substrato assentará, exactamente, em teorias evolucionistas.
Em suma: um estudo da BpFP a partir de uma perspectiva transdisciplinar permitirá não só uma melhor compreensão das práticas intelectuais de uma época, mas sublinha também em que medida o ambiente intelectual, no qual e em função do qual o autor teve uma determinada produção, é essencial para a compreensão da obra.

Carla Gago é investigadora pessoana, uma renomada especialista na biblioteca particular de Fernando Pessoa e integrante do Instituto de Estudos sobre o Modernismo. Estudou Línguas e Literaturas Modernas e Literatura Comparada na Universidade Nova de Lisboa, Universidade Humboldt e Universidade Livre (FU) de Berlim. Foi leitora de Língua e Cultura portuguesas nas universidades de Rostock e Leipzig, estando a concluir a sua dissertação de Doutoramento sobre o género dramático em Fernando Pessoa. Tem vários artigos publicados sobre temas de Estudos Portugueses em revistas, enciclopédias de autores e volumes portugueses e internacionais.